A morte não tem culpados
Alguém que nós muito amamos se foi. A partir daí o período do luto pode representar um desafio bastante diferente de tudo que foi vivido antes.
Dor, tristeza, saudades e dúvidas são muito comuns nesse momento. Grande parte dessas dúvidas são resultado de um enfrentamento do qual não estamos acostumados.
Nosso cérebro funciona de modo muito automatizado quando precisa solucionar um problema. Ele é eficaz em analisar o prejuízo, desvendar a causa, penalizar o responsável e reparar o dano. Mas, diferente de outras situações, a morte não é um erro, e no complexo fenômeno do luto sua forma costumeira de lidar com problemas do dia a dia será duramente testada.
Surgirão perguntas repetidas: por que? por que agora? por que assim? por que ela(ele)?
E com a falta de resposta e diante do desespero da dor, em algum momento começaremos a procurar culpados. Nos cenários mais doloridos esse sentimento poderá recair até mesmo sobre a pessoa que se foi. Essas situações serão estranhas e diante dos esforços de combater esses pensamentos a culpa poderá sorrateiramente colar-se no enlutado.
O modo de ser sorrateira é porque ela não foi convidada, não surge por intenção nossa e embora esteja muito presente não faz parte do pacote esperado para a experiência do luto. Assim encontramos um novo desafio: arcar com um persistente sentimento sobre um ato ou uma omissão que não foram praticados e que portanto é quase sempre indevido. O caráter sorrateiro da culpa indevida no luto tem causas difíceis de serem identificadas. Podemos nos sentir culpados por repetidas vezes em que fomos responsabilizados por erros alheios ou pela pressão de perfeição em nossa história de vida.
Em outra perspectiva, Jung, um célebre psiquiatra do século XX, entendia que preferimos a culpa a admitir que não somos onipotentes. Nesse sentido, podemos acreditar que teria sido possível evitar a morte caso tivéssemos feito escolhas diferentes. Pensamentos como esses são muito comuns na vivência do luto e demonstram uma tendência de nos punirmos como se fossemos oniscientes e onipotentes, como se driblar o fim fosse uma tarefa humana.
Mas a realidade é que a morte não pode produzir culpados.
Não é justo ter de suportar uma responsabilização impossível diante de um fenômeno tão inevitável como a finitude.
Apesar disso, se a culpa está presente, devemos compreender que ela surge do grande desejo de ter o ente querido de volta e tem a dor como grande propulsor, por isso deve ser acolhida junto de outras expressões de sofrimento antes de conseguir ser libertada.
Lucas Grabarski
Psicólogo – CRP 08/26331